Risco de cegueira? Anvisa emite alerta para novo efeito colateral da semaglutida 21t15
Condição que pode causar perda de visão afeta um em cada dez mil usuários do medicamento para diabetes e emagrecimento 3w643h

Nos últimos anos, o uso de agonistas de GLP-1 explodiu em todo o mundo, tanto pelo seu efeito no controle da diabetes, quanto pela ação no emagrecimento. Agora, a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) apontou um novo efeito colateral raro da semaglutida, uma das drogas desta categoria.
De acordo a EMA, o uso deste princípio ativo – presente em medicamentos como o Ozempic e o Wegovy – pode causar Neuropatia Óptica Isquêmica Anterior Não Arterítica (NOIAN), uma inflamação do nervo óptico causada por insuficiência vascular que pode levar a perda da visão. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) também alertou para esse risco, pedindo a inclusão desse efeito colateral na bula brasileira da semaglutida.
De acordo com um artigo publicado na Jama Ophtalmology, ao longo de três anos, a semaglutida aumenta em quatro vezes o risco de NOIAN em pessoas com diabetes e em sete vezes em indivíduos com sobrepeso ou obesidade. Correlação semelhante também foi denunciada em um trabalho publicado na Obesity Research & Clinical Practice. Por enquanto não está claro se outros agonistas do GLP-1 também apresentam o mesmo risco.
Apesar do susto trazido pelos levantamentos, as agências afirma que o efeito colateral é muito raro. Estima-se que o número de atingidos ao longo de um ano de tratamento é de apenas um em cada 10 mil usuários. “Os dados de farmacovigilância no Brasil, até agora, não apontam números que levantem preocupação com relação a isso”, diz Alexandre Hohl, diretor da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso) e diretor do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). “Certamente é uma condição muito rara e os pacientes não devem se preocupar.”
Consultada por VEJA, a Novo Nordisk, responsável pela fabricação da semaglutida, afirmou que trabalhará com a EMA para incluir o efeito colateral nas bulas europeias. Eles afirmam, contudo, que “os dados não sugerem uma possibilidade razoável de relação causal entre a semaglutida e a NAION e que o perfil de risco-benefício da semaglutida continua favorável.”
Eles não responderam se há como evitar os riscos, nem qual a recomendação caso os usuários percebam alterações na visão perante o uso.
Segundo a EMA e a Anvisa, “caso os pacientes apresentem perda súbita de visão ou piora rápida da acuidade visual durante o tratamento com semaglutida, devem entrar em contato com o médico imediatamente”. Dizem ainda que se a NAION for confirmada, o tratamento deve ser interrompido.
Como a semaglutida funciona e quais os efeitos colaterais? 703p2t
A semaglutida imita a ação do GLP-1, um hormônio produzido pelo intestino para promover uma sensação de saciedade, estimular a liberação de insulina e diminuir a velocidade de esvaziamento do estômago. Seu sucesso foi devido a capacidade surpreendente de controlar o apetite e a glicemia, funcionando como grande aliado para o tratamento de diabetes e obesidade.
Desde os estudos clínicos, especialistas e usuários já haviam notado uma série de efeitos colaterais, mas eles não costumam ser graves ou comuns o suficiente para anular os benefícios do medicamento para duas condições de saúde de tão difícil tratamento – essa interpretação continua valendo, apesar dos achados mais recentes.
Isso acontece porque o malefícios de não realizar o tratamento adequado também são graves. “Uma das complicações da diabetes mellitus é a retinopatia diabética e o controle da doença é a principal forma de evitar essa complicação”, explica Hohl. “A semaglutida é uma aliada nesse processo.”
Entre os sinais indesejados mais comuns do uso de medicamento estão náusea, vômito e constipação. Efeitos sobre a visão também já tinham sido observados, dentre eles a própria retinopatia e o edema macular, mas certamente em um risco menor do que aquele causado pelo diabetes. A NAION só foi noticiada pela primeira vez em julho de 2024, com a publicação do artigo da Jama Ophtalmology.
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“Os autores ressaltam que, por se tratar de um estudo retrospectivo, não é possível confirmar uma relação de causa e efeito, além de destacarem limitações como a origem dos dados e o possível viés de seleção, já que o medicamento pode ter sido prescrito preferencialmente a pacientes com quadros mais graves”, afirmou a professora de farmacologia Margaret Morris, da Escola de Ciências Biomédicas da Universidade de New South Wales, na época da publicação do artigo.
Ela afirmou ainda que os pesquisadores “defendem a necessidade de um estudo mais amplo, com critérios claros para diagnóstico de neuropatia óptica, para investigar se o uso de semaglutida está de fato associado a complicações oculares”.
Os motivos por trás desse efeito ainda precisam ser melhores investigados, mas especialistas sugerem que ele pode ser consequência da melhora do paciente e não do medicamento em si. Explicamos: ao agir rapidamente na saúde do indivíduo, o medicamento também tem uma ação de normalização do sistema cardiometabólico – pode ser que essa mudança, com a redução da pressão arterial, por exemplo, possa ser a responsável pelo menor fluxo sanguíneo para os olhos. A ver.
Por enquanto, mais investigações são necessárias – mas é importante que as respostas sejam rápidas, em especial pela ampla difusão, pela ampliação constante dos efeitos positivos sobre a saúde e pelo fato da semaglutida começar a se caracterizar como uma das drogas mais íveis dentre os agonistas de GLP-1.