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‘Estamos entre o medieval e neofascismo’, diz autor de ‘Elite da Tropa’ 4c4b5b

Luiz Eduardo Soares avalia, à coluna GENTE, o cenário atual da política brasileira e os desafios na segurança pública do país 1r3k12

Por Nara Boechat Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 12 jun 2025, 15h13 - Publicado em 12 jun 2025, 07h00

Um dos autores de sucessos da literatura nacional, como Cabeça de Porco (2005) e Elite da Tropa 1 e 2 (2006, 2010), tendo este inspirado o cultuado Tropa de Elite (2007, 2010), o antropólogo Luiz Eduardo Soares, 71 anos, marca sua estreia na ficção com Crânio de Vidro Selvagem (Brasa Ed.). A obra narra o reencontro de dois antigos militantes de esquerda, que revisitam memórias marcadas por afetos e divergências. Com relatos que espelham momentos da vida do autor, o romance propõe uma leitura crítica do país, abordando o esvaziamento das mobilizações de rua, a ascensão das redes sociais no debate político e o desgaste do diálogo em meio à guerra de narrativas. Em conversa com a coluna GENTE, o cientista político, que foi subsecretário de Segurança do Estado do Rio no governo Anthony Garotinho, avalia o cenário atual da política brasileira e os desafios na segurança pública do país.

Como surgiu a ideia do novo livro? Demorei tantos anos para escrever, fica até difícil responder essa pergunta. Foram cinco ou seis anos. Até escrevo rápido, mas as revisões que a gente faz são tantas… Depois tem que deixar aquilo na gaveta para ver se ainda se sustenta. Parece sempre inacabado, insuficiente. A gente não tem critério tão objetivo quando se trabalha nas ciências sociais. A realidade tem sido tão dura, árida, rústica, e para ser criativo, extrair ouro de pedra, é difícil na realidade que se vive. 

E de onde veio o nome Crânio de Vidro do Selvagem Digital? O amigo do protagonista tem uma coleção em casa de crânios de vidro, que, aliás, constitui parte de várias mitologias tradicionais. Há coletâneas desse tipo no Museu Nacional do México, em Paris… Normalmente, a gente pensa em crânio e o associa à violência ou ao traço anatômico e à inteligência artificial, e o crânio de vidro é uma coisa tão arcaica, o que me pareceu interessante. 

O livro traz informações de 2013. A data tem relação com os protestos da época? Sim. Aquele foi um momento de imensa ebulição, significativo para muitos de nós – para mim, inclusive – e sobretudo para os mais jovens. Foi uma explosão marcante, um momento de ruptura. Havia uma energia intensa, que se liberou e, depois, foi canalizada nas disputas políticas. Era o momento ideal para um reencontro desafiador, um confronto mútuo que pudesse provocar transformações.

O senhor faz referência à sua vida no livro? Sim, é inevitável. A gente acaba se envolvendo e, claramente, aquele universo psicológico, afetivo, ideológico da resistência à ditadura na esquerda, aquilo faz parte de mim também, parte da história. As dissensões, os desentendimentos, os caminhos diversos – todos eles trazem parte de mim também. 

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O senhor acredita que Elite da Tropa, ao ganhar as telas, acabou romantizando a polícia, em especial o do Bope, e reforçando visão idealizada da atuação policial? O livro é tão duro com o Bope, que houve todo tipo de perseguição que você pode imaginar. Até o filme ser lançado, um ano e meio depois do livro, já tínhamos sofrido ameaças, processos… Na época, o coronel da Polícia Militar do Rio de Janeiro assinou um artigo furioso, dizendo que ia nos processar, que o livro era um acinte. O filme acabou suscitando outras interpretações. Muita gente valorizava a tortura em si como se não fosse uma monstruosidade, como se fosse a demonstração de triunfo. 

O senhor, que escreveu sobre as milícias, imaginou que fosse chegar ao ponto que chegamos? Se eu disser que sim, você pode me achar meio metido, mas eu não só percebia, como escrevia sobre isso. Antes do Elite [da Tropa] 2, já abordava o tema em  textos acadêmicos e, quando fui subsecretário no Rio, falei em entrevistas. No livro Meu Casaco de General (2000), sobre período na Secretaria, relato o dia a dia dessa luta – na época, ainda não usávamos o termo “milícia”, falávamos em “polícia mineira”. Já era visível o potencial de crescimento desse fenômeno. A partir de 2007, com o caso da agressão aos jornalistas de O Dia, a percepção pública mudou, veio a I e não se pôde mais ignorar a gravidade. 

Vê chance de mudar o cenário retratado no livro? Tem o final de uma peça de teatro — não me lembro qual — em que o ator rompe a quarta parede, olha para a plateia e diz: “Como vocês viram, não tem saída. Mas tem de ter”. É assim que me sinto. No Rio, o nível de interpenetração entre Estado e crime e a degradação institucional tornam quase impossível vislumbrar uma saída. Os mesmos atores se reelegem, ganham força e se infiltram em diversas instituições. Ainda assim, se houver sociedade no futuro, se superarmos a crise climática, teremos de enfrentar esse problema. A longo prazo, ou apostamos na vida ou desistimos. Não estou disposto a entregar os pontos.

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Um dos assuntos abordados em Brasília hoje é a PEC da Segurança Pública, o SUS da Segurança. O que o senhor acha disso? Era secretário nacional de Segurança Pública quando apresentamos o SUSP (Sistema Único de Segurança Pública). Aliás, apresentamos na campanha eleitoral do Lula, em 2002 — ele foi eleito com esse programa. Me competia tentar implementá-lo, redefinindo a arquitetura institucional da segurança pública. Isso não resolveria magicamente os problemas, mas seria indispensável, porque transitamos da ditadura para a democracia, mas essa transição não alcançou a segurança pública. As instituições foram congeladas, mantidas intocadas. 

Por que o SUSP nunca se concretizou? Não conseguimos naquele momento, mas, a ideia foi preservada. Em 2018, com o ministro Raul Jungmann, foi apresentada uma proposta com outras características, mas com uma orientação próxima, e foi aprovada como legislação infraconstitucional — ou seja, como uma lei ordinária, e assim não se sustenta. 

A PEC apresentada agora pode mudar esse cenário? O SUSP infra-constitucional, aprovado em 2018, só seria viável com um consenso entre as instituições. Lá não se definem critérios de liderança, métodos de decisão – não há nenhuma indicação nesse sentido. Supõe uma harmonia que não existe, especialmente em um país tão dividido como o Brasil. Por isso, é necessário haver uma orientação constitucional, como a PEC agora proposta pelo ministro [Ricardo] Levandowski, para que, respeitando a autonomia, também se respeite a autoridade do SUSP.

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Por que frases como “bandido bom é bandido morto” ainda encontram ecos de apoio? Seria mais fácil enfrentar esse problema se fosse algo recente. Mas, ao pesquisarmos a história, vemos que frases como essa são antigas – essa expressão remonta aos anos 1980, mas ideias semelhantes circulam desde os anos 1950, pelo menos. O que existe é a preservação dessa concepção. No Brasil, nunca tivemos uma cultura democrática liberal de fato porque os liberais foram escravocratas, defendendo as ditaduras, e só o são no que diz respeito ao mercado. Mesmo assim, quando o bolso aperta, eles correm para buscar suas facilidades e proteções junto ao Estado. Agora, estamos numa curva da história que nos joga da masmorra medieval ao neofascismo, sem mediação.

Qual é a culpa do governo anterior nesse cenário? Quando [Jair] Bolsonaro, no impeachment de Dilma [Rousseff], elogia um torturador como fez, é tão inacreditável. É como se fosse um marco na história do Brasil, porque a tortura sempre exisitu, na ditadura isso se intensificou, mas essa era uma prática. Pouquíssimas pessoas, especialmente no século XXI, teriam coragem de afirmar sua idolatria por um torturador com essas características. 

O senhor parece otimista quanto à segurança pública. Segue então, com esperança? Não pela segurança, mas para nós nos mantermos vivos e nos sentirmos minimamente dignos neste futuro que haveremos de construir.

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