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As reações ao novo decreto que impõe regras básicas em praias cariocas 2y3o41

A incursão da reportagem de VEJA em Copacabana revelou três infrações logo na largada 296155

Por Anita Prado, Valentina Rocha Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 14 jun 2025, 08h00

Na generosa faixa de areia em frente ao Copacabana Palace, o centenário hotel à beira-mar, dois vendedores — um de queijo coalho, outro de camarão — disputavam a atenção de um grupo de banhistas acomodados em cadeiras de praia na ensolarada quarta-feira, 28 de maio. Um deles embalava o bem-bom com um funk que saía de uma potente caixa de som, fazendo-se audível por todo aquele pedaço. Havia ali, claro, gente que preferia refestelar-se ao sol sem trilha sonora. Drinques em garrafas de vidro ajudavam a imprimir colorido à paisagem. A cena, bastante usual, chamava atenção por se desenrolar exata uma semana após o prefeito Eduardo Paes (PSD) baixar um decreto de ordenamento da orla carioca, produto de muita negociação com os comerciantes locais, que lutaram quanto puderam para não ter podados direitos informalmente adquiridos na extensão de 56 quilômetros onde, por tradição, impõem as próprias regras.

Pois mesmo com a salutar iniciativa de organizar o belo cartão-postal, a incursão da reportagem de VEJA em Copacabana revelou três infrações logo na largada: venda de comida no espeto e líquidos em recipientes de vidro, além do som portátil. Muitas das medidas contidas no decreto já existiam em legislações separadas anteriores, mas nunca foram efetivamente obedecidas pelo conjunto da sociedade. Uma das novidades do pacote agora apresentado é a padronização das tendas, para não poluir o horizonte, e a proibição de patinetes e bicicletas no famoso Calçadão — este um enrosco à parte, já que as pessoas resistem em aceitar a ideia de estacionar seu meio de transporte em local em que a vista não alcança, alegando perigo de furto. “Deixa a bicicleta elétrica aí! Que absurdo”, queixava-se uma multidão no domingo, 1º de junho, quando os guardas a removiam de lugar indevido. Em inaceitável inversão de papéis, os agentes, acuados, explicavam à turma do deixa-disso que estavam lá tão somente para fazer valer a lei.

Não é apenas no Rio de Janeiro que tanto comerciantes como banhistas se sentem lesados com decretos do gênero, apesar de o pacote se voltar para um convívio mais harmonioso e civilizado. Em Salvador, na famosa Porto da Barra, uma imagem da areia tomada por cadeiras de barraqueiros em profusão, lotação que não deixava espaço livre para mais ninguém, viralizou a ponto de o prefeito Bruno Reis (União Brasil) entrar em campo e estabelecer regras para os vendedores que se apossavam daquele quinhão de areia. Em represália, a praia amanheceu sem um único comerciante. Eles logo regressaram sob as novas normas. E o panorama melhorou. Em outras capitais onde se tem tentado demarcar limites nas praias, como João Pessoa e Natal, também houve certa resistência, mas aos poucos a lei vem se fazendo cumprir, um dia após o outro. No Rio, comerciantes, em protesto, chegaram a bloquear duas faixas da Avenida Atlântica. No primeiro domingo de decreto em vigor, 26 barraqueiros foram autuados, com multas que alcançam os 5 000 reais e, em casos extremos, podem custar a licença.

EXEMPLO - Califórnia: locais regidos por um conjunto de regras desde 1980
EXEMPLO - Califórnia: locais regidos por um conjunto de regras desde 1980 (Jakub Porzycki/NurPhoto/AP/Imageplus)

A prefeitura carioca reconhece quão difícil é monitorar tamanha área com tanta gente concentrada. “Não dá para colocar um agente de olho em cada comportamento inadequado. Por isso, apostamos em punições severas para quem insiste no erro”, afirma Brenno Carnevale, secretário municipal de Ordem Pública, que escuta muita reclamação em relação às ações de fiscalização. “As pessoas pedem ordem, mas, quando ela chega, começam a defender a desordem”, afirma. Uma desconfiança em relação à solidez das regras e à punição diante de seu descumprimento é, no olhar de especialistas, uma característica que remete às raízes brasileiras. E isso se torna ainda mais exacerbado em um terreno tão livre quanto a praia. “Estamos em uma sociedade que vê as leis de forma flexível — às vezes elas valem, outras não — e não sabe exatamente quando acatá-las”, observa o antropólogo Bernardo Conde. Para ele, está aí uma noção distorcida do direito de ir e vir. “Na praia, naturalizamos a ideia de que o espaço é livre, sem nos darmos conta de que cada um ali tem um interesse diferente. Na prática, se todos seguirem as normas, teremos ainda mais liberdade”, diz.

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A tentativa de fincar limites em zonas praianas é questão universal. Em 2023, Portugal aprovou uma das mais severas legislações da Europa contra a poluição sonora em áreas costeiras — por lá, 100% da chamada “atividade sonora” foi banida. O castigo para infratores é salgado: 24 000 reais para cidadãos comuns e quase 200 000 para o comércio à beira-mar. Para reforçar a vigilância, a mexicana Cancún decidiu monitorar vendedores empregando inclusive drones e, assim, coibir a informalidade, que acaba por subtrair recursos do caixa público em toda parte. No Rio, o esforço embutido no atual pacote também mira oficializar os vários negócios que germinam na areia e fazê-los pagar a Taxa de Uso de Área Pública.

Pioneira na elaboração de leis para a orla, nos anos 1980, Los Angeles, na Califórnia, veta som amplificado sem licença, instalação de grandes estruturas e armazenamento de itens após o horário definido. As regras são aplicadas com rigor, sobretudo em pontos turísticos coalhados de gente, como Venice Beach — e muito bem informadas a moradores e turistas por meio de sinalização a cada trecho de areia. No Rio, a reportagem de VEJA percebeu que pesam ainda muitas dúvidas sobre o que pode e o que não pode à beira-­mar, especialmente entre forasteiros. “Sou de Recife. Lá usamos caixinhas de som e os ambulantes vendem espetinhos normalmente. Nem sabia dessas novas leis daqui”, dizia a turista Fabiana Moraes. A bem-sucedida experiência de organizar paisagens praianas mundo afora indica que o caminho para a população digerir regras como essas às vezes é vagaroso, porém contínuo, sempre que há persistência. A praia assim fica mais legal sob todos os pontos de vista e todo mundo sai ganhando.

Publicado em VEJA de 13 de junho de 2025, edição nº 2948

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